POR SÉRGIO RENATO – 24/09/2021

Segundo álbum do Nirvana desbancou medalhões pop do topo da Billboard, colocou o rock alternativo na grande mídia e é influente hoje até para a digitalizada geração Z

Já falamos aqui que o ano de 1991 é considerado o último “ano mágico” para o rock and roll, quando foram lançados álbuns que até hoje exercem forte influência sobre novas bandas e apreciadores do gênero, que completam 30 anos. No texto publicado em março 1991, O ÚLTIMO ANO MÁGICO DO ROCK AND ROLL, lembramos que faltava um disco fundamental naquela lista e, bem, chegou a hora de falar desse que, mais do que um disco, é apontado como o último trabalho verdadeiramente relevante do rock. Lançado no dia 24 de setembro daquele ano, ‘Nevermind’, segundo álbum do então desconhecido Nirvana, se tornou não apenas o som como a imagem daquela geração que revitalizou o rock e se eternizou como a última grande referência até para a chamada geração Z, totalmente digitalizada e resistente ao que lhe é anterior.

Até aqueles meados de 1991, o Nirvana era apenas uma boa banda de rock alternativo que, indicada pelo já renomado Sonic Youth, foi contratada pelo selo DGC (no fim das contas, o mesmo grupo fonográfico que tinha o Guns ‘n Roses) para o seu segundo disco – o primeiro, ‘Bleach’ (de 1989), foi produzido por Jack Endino e teve boa repercussão no meio underground. O relato do jornalista André Barcinski (autor do livro “Barulho”, sobre bandas punk/alternativas de destaque naqueles primeiros anos 1990) dá uma boa ideia de como as coisas mudaram da noite para o dia. Ele conta que, quando ‘Nevermind’ estava para ser lançado, procurou o agente da banda na época e ele disse que não precisava marcar a entrevista tão cedo. “Depois do show a gente pega os caras pra tomar uma cerveja e você conversa com eles”, disse o agente, isso quase dois meses antes.

Barcinski conta ter chegado aos EUA justamente em 24 de setembro, dia exato em que o álbum foi para as lojas e começou a vender horrores nas semanas seguintes. O tal show do Nirvana, onde seria a tal entrevista, era em Seattle no dia 31 de outubro, em plena festa de halloween no país, com abertura do Mudhoney (outra banda da cidade que despontava no mercado). O que ninguém esperava era que a então ‘apenas boa banda alternativa’ se tornaria a nova sensação da América de forma tão rápida, o que transformou a apresentação num mega-evento regional, uma noite de orgulho para a cidade que viraria o centro do mundo do rock nos meses seguintes. No fim e com o equipamento todo destruído, nenhum dos três membros da banda tinha condições de dizer uma vírgula, de tão extrupiados que estavam. Resultado: o agente sumiu e não teve entrevista. Em janeiro de 1992, a primeira lista semanal de discos mais vendidos da revista Billboard trazia ‘Nevermind’ no primeiro lugar, à frente de monumentos pop como Michael Jackson, U2, Guns e Metallica.

Mas a pergunta é: por quê será que o Nirvana se tornou esse fenômeno em poucos meses, a princípio com pouquíssima mídia visual e quase não tocando no rádio? A resposta é ‘Nevermind’, e mais nada. Tá certo que “Smells Like Teen Spirit” é o tipo de canção que gruda no ouvido, lançada como single mas com pouca divulgação, um caso raro de demanda espontânea que impulsionou as vendas do disco. Aí o público foi conhecendo as outras canções e perceberam que havia ali algo de muito especial. O som era de uma contundência crua, quase sem produção (a cargo de Butch Vig, também baterista da banda Garbage), que não existia no mercado naquela época (basta ver os discos lançados pelos artistas citados acima) e com letras que eram papo reto com a molecada, com temas que iam do tédio (como em ‘Smells…” e “Breed”) ao suicídio (“Lithium”), passado por obras-primas como “Come As You Are” (uma canção de amor onde ele jura que “não tem uma arma”). O clipe de “In Bloom” foi uma grande sacada: Já bombada mundialmente, a banda resolveu se passar por uma dos anos 1960 naqueles programas de auditório tipo Ed Sullivan Show (o ‘Faustão’ da época), com direito às fanzocas gritando o tempo todo. De acordo com a Recording Industry Association of America (RIAA), o álbum vendeu mais de 35 milhões de cópias no mundo.

A capa do disco é um caso à parte. Ao mostrar um bebê nu em uma piscina, teoricamente tentando pegar uma nota de dólar, a arte entrou para o hall das principais já produzidas em toda a história, principalmente depois do estouro mundial do álbum. Polêmicas sobre uma suposta pedofilia sempre existiram, mas o assunto voltou à tona neste ano por uma razão inusitada: Hoje também com 30 anos e talvez movido por um certo oportunismo, o então bebê da capa Spencer Elden resolveu processar a banda (através do espólio de Kurt e das pessoas de Krist Novoselic e Dave Grohl), alegando que o uso de sua imagem na arte foi feito sem o seu consentimento ou de seus tutores legais, e que a foto violava os estatutos federais de pornografia infantil, que resultou em “danos vitalícios”. Ocorre que fotos não sexualizadas de bebês nus, como é o caso, não são consideradas pornografia infantil de acordo com a lei dos EUA. Ou seja: dificilmente esse processo vai ter algum resultado de peso, a não ser o de atiçar e/ou ampliar a curiosidade sobre o álbum e a banda. No Brasil, uma alusão à imagem ilustra a capa do ‘Almanaque dos Anos 90’, escrito pelo jornalista Silvio Essinger.

Para muita gente, o Nirvana se superou no disco seguinte, ‘In Utero’ (de 1993, com produção de Steve Albini), visto como bem mais sombrio e difícil que ‘Nevermind’ e o último da banda – seis meses depois, Kurt enfrentava a grave crise do vício em heroína que o levou ao suicídio, em abril de 1994. Principalmente depois dessa tragédia, que atualizou o ‘Clube dos 27’ (leia em UM QUARTO DE SÉCULO SEM KURT COBAIN), ‘Nevermind’, que já era considerado clássico em seu próprio tempo, foi reconhecido como um trabalho fundamental de toda uma geração, não apenas para a ‘turma de Seattle’ mas também para todo o rock alternativo – que nos anos seguintes foi parar nos primeiros lugares e até na MTV, com direito a programas específicos na grade –, ao resgatar uma crueza que estava esquecida, um som direto, sem firulas, e uma poesia/choque de realidade que casou com o que aquela juventude não queria ouvir mas tinha de enfrentar.
Parece saudosismo, mas nada tão impactante surgiu de novo nessas três décadas – a coisa mais legal e promissora de agora é um quarteto vindo da Itália (!) que parece um misto de The Killers com Jesus & Mary Chain, mas que a gente ainda não sabe no que vai dar, temos que aguardar desdobramentos. Enquanto isso e mesmo que o Maneskin arrebente, ‘Nevermind’ permanecerá, assim como o Nirvana, imortal depois de 30 anos completados hoje.