O homem que estabeleceu a imagem do vocalista de rock completa sua hoje oitava década

POR: SÉRGIO RENATO – 26/07/2023 EDIÇÃO: ROBSON CAMARGO

“Prefiro morrer a cantar ‘Satisfaction’ aos 45 anos de idade”.

Poucas frases representam tão bem o espírito e a vontade por juventude eterna que havia nos anos 1960 como esta – talvez só o verso/tratado em “My Generation”, do The Who (“Tomara que eu morra antes de ficar velho”), tenha o mesmo peso. Ocorre que isso só ‘deu certo’, digamos assim, para alguns que viveram aquele período, mas não para Roger Daltrey (vocalista do Who) e nem para Mick Jagger, que completa 80 anos hoje e continua cantando “Satisfaction”, escrita por ele naquela década.

Quando os Rolling Stones, banda que ajudou a criar e à qual pertence até hoje, tocaram pela primeira vez no Brasil em fevereiro de 1995, Mick estava com 51 anos e incluiu o clássico no repertório do show – sei porque testemunhei no Maracanã. Ou seja: o desejo da juventude ficou para trás, mas o homem que praticamente inventou e sem dúvida estabeleceu a figura do vocalista de rock – voz forte, presença de palco e sexualmente provocante – consegue manter uma impensável jovialidade depois de oito décadas, sobretudo no palco, onde ainda mostra uma energia de dar inveja a muito garotão.

O segredo? Além de exercícios, dieta balanceada e ioga, Mick sempre foi na contramão dos vícios desenfreados que, por exemplo, seu parceiro e irmão de alma Keith Richards (que chega aos 80 em dezembro) sempre teve com álcool e drogas. Jagger teve seus porres e trips, mas nunca se falou numa overdose dele. Além da música, a única coisa com a qual ele se envolveu e aí sim se viciou foram as mulheres, e foram muitas ao longo da vida, mas que também lhe causaram problemas. O mais famoso foi com a brasileira Luciana Gimenez, com quem a pulada de cerca no Brasil rendeu um de seus oito filhos e o fim do seu segundo e mais duradouro casamento, com a modelo Jerry Hall.

Aliás, sua ligação com nosso país é mais íntima do que se pensa. Sua primeira vez aqui foi em 1968, numa viagem de férias em que se hospedou no Copacabana Palace e circulou por praias então pouco frequentadas, como Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes. Diz a lenda que, num desses passeios, teria surgido uma das inspirações musicais para o clássico “Simpathy for the Devil”, após assistir a um ritual de candomblé nas areias cariocas. Anos depois, já nos anos 1980, ele veio rodar um filme obscuro chamado ‘Running Out of Luck’ (nunca teve título em português), contracenando com a canadense Rae Dawn Chong e os brasileiros Tony Tornado, Carlos Kroeber e Telma Reston. Depois de um carnaval ou outro por aqui, show mesmo só a partir de 1995 na turnê de ‘Voodoo Lounge’. Os Stones voltaram ainda 1998 e em 2006 para um show que entrou para a história, como um dos maiores já realizados e o maior da banda, com 2 milhões de espectadores na areia de Copacabana.

O cinema foi outro fator de atração para Mick. Ele participou de algumas produções, na maioria fracassos de bilheteria que engordaram mais seu currículo do que a conta bancária. Entre eles os britânicos ‘Ned Kelly’, ‘Perfomance’ e o futurista ‘Free Jack’, além do antológico ‘Rock and Roll Circus’, rodado em 1968 e que só veio à tona mais de 30 anos depois e, além dos Stones, tem shows históricos de Jethro Tull, The Who e The Dirty Mac (banda de uma música só com John Lennon, Eric Clapton, Keith Richards no baixo e Mitch Mitchell na bateria).

Em todos esses anos, Mick foi referência de frontman do rock para praticamente todo mundo que veio depois. Roger Daltrey, Robert Plant, Paul Rodgers, Freddie Mercury, Ozzy Osbourne, Ian Gillan, Anthony Kieds, o amigo David Bowie e mesmo opositores do mainstream como Johnny ‘Rotten’ Lydon (dos Sex Pistols), todos têm ou tiveram um pouco de Jagger em sua performance de palco. Mesmo vivendo momentos tensos como o fatídico show de Altamont, na Califórnia, em 1969 (onde um jovem negro foi morto diante das câmeras que filmavam o evento), a prisão dois anos antes por porte de maconha na Inglaterra e perdas brutas de gente próxima – como Brian Jones em 1969, o suicídio da então namorada L’Wren Scot em 2014 e o desde sempre baterista Charlie Watts em 2021 –, ele passou a maioria desses anos desfrutando o status de super celebridade global com todo o glamour a que tem direito: viagens aéreas por todo o mundo, festas exclusivas, muita bajulação e mais chances sexuais com mulheres e alguns homens também, tudo isso com ou sem os Stones, que quase deixou no meio dos anos 80.

Ali ele teve a chance real de não mais cantar “Satisfaction”, exatamente na casa dos 40 anos, quando uma carreira solo de fato quase decolou pra valer. Mas o momento não era mais o mesmo e talvez ele tenha se tocado de que não consegue viver fora dessa máquina de show business que ele mesmo ajudou a criar. Ele e a banda voltaram com força antes da virada para a última década do século e, claro, seu maior clássico nunca deixou de estar presente.

Hoje o mundo do rock festeja seu aniversário e a honra de ter sido contemporâneo de alguém tão importante para as artes e ainda em atividade. O que Mick Jagger ainda vai aprontar? Não sabemos. O certo é que ele não para de procurar sua “satisfação” desde sempre, e podemos sempre aguardar novidades. Para quem quiser mais dos capítulos anteriores, a dica é a biografia do jornalista inglês Philip Norman.