Neste ano, outubro marca os 50 anos do clássico ‘Ashes Are Burning’ e os 30 da estreia dos melhores discípulos da banda de Annie Haslam

Por: Sérgio Renato / Edição: Robson Camargo

Bandas que ‘se parecem’ umas com as outras ou que lembram outras mais antigas não são exatamente novidade. Da mesma forma que o Greta Van Fleet foi acusado de imitar descaradamente o Led Zeppelin em tudo, no passado o Marillion já foi apontado como uma espécie de ‘sub-Genesis’ da fase progressiva, inclusive conseguido arranjar dois cantores com voz semelhante a de Peter Gabriel, sem falar no Pearl Jam, que já teve ao menos três “imitadores” contemporâneos (Stone Temple Pilots, Silverchair e Creed, todos já extintos). Por aqui, o caso mais lembrado é o dos Paralamas do Sucesso que, no início, era chamado de ‘The Police brasileiro’, até pelo fato de serem um trio.

Neste mês de outubro de 2023, estamos diante de efemérides de mais uma situação que serve de exemplo, mas que pouca gente percebeu ao longo dos anos. Explicando: Um dos álbuns mais icônicos do rock progressivo – ‘Ashes Are Burning’, do Renaissance – está completando 50 anos de lançamento, só que também há exatos 30 anos era lançado o disco de estreia da única banda que, sem querer ou não, chegou mais perto em termos gerais do grupo inglês liderado pela ‘deusa vocal’ Annie Haslam. O nome não poderia ter mais a ver com o mês: October Project.

Tenho certeza que quase a totalidade de vocês, nobres leitores, ouviu falar pouco ou nada sobre essas duas bandas, em especial da última (presente por aqui em algumas poucas rádios FM ‘light’ nos anos 1990), mas existem bastante semelhanças entre elas, que vão além do som. A primeira delas é o fato de terem mulheres de vozes privilegiadas como suas vocalistas. No caso do Renaissance, Annie Haslam despontou já no disco de estreia (‘Prologue’, de 1972) depois que a banda surgiu das últimas cinzas do Yardbirds (as mesmas que já tinham dado origem ao Led Zeppelin anos antes!).

O segundo álbum da nova formação saiu em outubro de 1973 e consagrou um estilo que fazia referências à cultura celta/medieval e citava composições eruditas. A voz de soprano de Annie era o complemento perfeito para verdadeiras peças orquestrais, mas que emplacou ao menos um hit mais pop, a balada “Let it Grow”, onde a cantora alcança notas vocais altíssimas em seu refrão. Chama a atenção também o capricho instrumental em todas as seis faixas do álbum, duas delas na casa dos 10 minutos de duração – a abertura com “Can You Understand?” e a própria “Ashes Are Burning”, que encerra o álbum.

Depois deste sucesso, o Renaissance se tornou um das bandas mais queridas ao longo da década com álbuns como ‘Turn of the Cards’ (1974), ‘Scheherazade and Other Stories’ (1975), ‘Novella’ (1977) e ‘Azure D’or’ (1979). Nos anos 1980, o grupo perdeu alguns membros e parou de vez em 1987, tendo reuniões esporádicas nos anos seguintes. Nessa mesma época, um grupo de jovens músicos dos arredores de Nova York começava a formar o que veio a ser o October Project, que lançou seu primeiro álbum em…outubro, claro, de 1993. Quem ouviu, fez um link imediato com as atmosferas sonoras a que o som do Renaissance já conduzia, mas os novatos tinham uma pegada mais pop e também usavam bastante percussão, o que não era uma característica dos veteranos.

No entanto, o que mais chamava a atenção era a vocalista Mary Fahl, com traços de canto lírico tão marcantes quanto os de Annie Haslam, dando quase um ar de divindade às canções. Os destaques são “A Lonely Voice”, “Return to Me”, “Bury My Lovely”, “Ariel” e “Take Me As I Am” – nestas duas últimas, ela divide os vocais com a compositora Julie Flanders, de voz mais leve. Veio o segundo disco (‘Falling Farther In’, de 1995) e o October Project virou uma espécie de banda cult para quem tinha saudade do progressivo e/ou procurava um som mais rebuscado, com influências da música erudita e da ‘new age’. Mas logo em seguida o grupo se desintegrou, retornando apenas dez anos mais tarde e com outra formação, sem Mary Fahl.

Nos anos seguintes, o sonho de muita gente foi ver as duas cantando juntas no palco…e aconteceu! Em sua turnê de 2014, Annie Haslam recebeu Mary Fahl para um dueto na Pensilvânia. Adivinha o mês do show?! Outubro, claro! No Brasil, não há relatos da passagem da ex-October Project, mas Annie é uma presença frequente em nossos palcos. Além das capitais, ela já se apresentou em cidades como Petrópolis e, em 2022, fez mais um show de outros tantos em Niterói.

Neste mês tão importante para as duas bandas, a dica é ouvir os trabalhos mais relevantes de ambas. De preferência, em lugares mais bucólicos ou em cidades serranas com uma vibe de vida mais alternativa, como Visconde de Mauá, Lumiar ou São Tomé das Letras. Se não der, acende um bom incenso em casa e boa viagem, dando parabéns ao Renaissance e ao October Project.