POR SÉRGIO RENATO – 03/02/2024

O trágico acidente aéreo que matou Buddy Holly, Big Bopper e Ritchie Valens, em 3 de fevereiro de 1959, chocou e marcou toda uma geração de artistas e fãs do rock. Em vez de morrer, porém, a arte saiu fortalecida dos destroços

A primeiríssima geração do rock and roll, surgida na década de 1950, entrou em declínio na mesma velocidade com que “chegou chegando”, com diferentes problemas de seus principais astros já por volta de 1958. Vai vendo: Chuck Berry passou a enfrentar acusações de pedofilia (hits com “Sweet Little Sixteen” e “Little Queenie” não deixam dúvidas de que o cara sempre gostou de uma novinha); Jerry Lee Lewis foi mais longe e se casou com uma prima de 13 anos (ele tinha 21!) e o escândalo da descoberta quase acabou com a carreira dele; Little Richard, primeiro astro assumidamente gay do rock, virou pastor evangélico e saiu dizendo que “o rock te leva ao inferno – ao que Jerry respondeu também a outros dizendo: “Já que eu vou pro inferno, vou tocando meu piano”; e Elvis Presley achou de ir pro Exército americano pra parecer ‘bom moço’.



Mas se houve um fato que marcou o primeiro, digamos, ‘fim de sonho’ para o recém-surgido gênero, um primeiro choque de realidade contundente (haveria outros nos anos seguintes), este ocorreu há exatos 65 anos, no dia 3 de fevereiro de 1959. Naquela madrugada, um avião de pequeno porte caiu numa plantação de milho em Clear Lake, no estado americano de Iowa e, dentro dele, estavam três jovens artistas em franca ascensão que faziam a turnê conjunta ‘The Winter Dance Party’. A morte instantânea do trio chocou a América e, anos depois, a data passou a ser lembrada como “o dia em que a música morreu”.



Os ocupantes do vôo eram Buddy Holly, ‘Big Bopper’ Richardson, e Ritchie Valens (cuja história até o acidente fatal é contada no filme “La Bamba”, de 1987). Valens e Big Bopper estavam iniciando suas carreiras já com alguns sucessos. O último tinha 28 anos e era o mais velho a bordo, conhecido pela canção “Chantily Lace”. Já Ritchie era um adolescente de 17 anos e de origem hispânica (seu nome de batismo era Richard Valenzuela), que despontava com hits frenéticos como “La Bamba”, “Come on, let’s Go” e a balada “Donna”, tudo isso em pouco mais de um ano de meteórica carreira.



Diferente deles, Buddy Holly já era um músico influente com apenas 22 anos e seu trabalho serviu de inspiração para muita gente. Seu som era considerado sofisticado para a época, com arranjos e levadas marcantes. Reza a lenda que, em seus shows na Inglaterra, a plateia era composta de garotos que se tornariam astros fundamentais do rock nas próximas décadas, entre eles Paul McCartney e Mick Jagger. Os resultados não demoraram a aparecer por parte deles: quando Paul e George Harrison se juntaram a banda The Quarrymen, de John Lennon, as primeiras gravações amadoras deles continham “That Will Be The Day”, canção de Holly considerada premonitória sobre sua morte. Já como os Beatles, eles incluíram a balada “Words of Love” em seu quarto álbum (‘Beatles For Sale’, de 1964). Aliás, o próprio nome da banda foi inspirado em The Crickets, que era o grupo que acompanhava Buddy Holly no início. Por sua vez, os Rolling Stones de Jagger estrearam também em 1964 incluindo no repertório “Not Fade Away”, também de Holly – coincidência ou não, o histórico show dos Stones no Maracanã, no dia 4 de fevereiro (!) de 1995, foi aberto com esta canção – sei porque, modestamente, eu estava lá.

Não bastasse a comoção causada pela tragédia, a impressão que se tem é algo de fato mudou na própria música depois dela. Tamanho choque parece ter proporcionado aos artistas mais novos uma certa ‘perda de inocência’ que os fez ficar mais atentos tanto às armadilhas do sucesso quanto ao que acontecia ao redor como guerras, conflitos raciais e desmandos políticos. A geração que veio imediatamente depois com Beatles, Stones e Bob Dylan, por exemplo, já era mais antenada do que a primeira. Para muita gente, porém, o rock acabou mesmo naquele dia trágico. Nosso Raul Seixas era um dos que acreditavam nisso e sempre apregoava que o gênero deixou de existir deste então. Para o americano Don McLean, porém, a coisa era ainda mais séria. Na clássica canção “American Pie”, de 1971, ele traça os rumos que o rock tomara até ali mas sempre voltando ao “the day the music died”…, termo criado por ele na letra.

Outros desastres aéreos com músicos chocariam outras gerações. Depois do de 1959, houve a queda do avião que matou o soulman Otis Redding, dois dias depois de ele gravar o que se tornou seu maior hit, “Sittin’ on The Dock of The Bay”, em dezembro de 1967. Dez anos mais tarde, três membros do Lynyrd Skynyrd também morreram em um acidente com a aeronave da banda. No Brasil, houve a tragédia com a banda Mamonas Assassinas, no dia 2 de março de 1996, que matou todos os seus cinco membros (tem uma cinebiografia contando a história) e, já no novo século, fãs ainda lamentam o desastre que vitimou a cantora e compositora Marília Mendonça, em 5 de novembro de 2021. Mas nenhuma foi tão simbólica quanto o que completa 65 anos hoje. Se a música morreu mesmo naquela ocasião, ela mostrou que nem a morte pode vencê-la. Que o digam, onde estiverem, os próprios artistas falecidos, cuja obra e legado se tornaram eternos.