Por Sérgio Renato em 05/04/2024

Líder do Nirvana ainda desperta interesse de novas gerações depois de três décadas

Parece que foi ontem que assisti o VJ Gastão Moreira abrir seu horário na antiga MTV Brasil, chamado de ‘Gastotal’, anunciando que a polícia de Seattle tentava confirmar, naquele 8 de abril, se a pessoa encontrada morta numa mansão da cidade era mesmo Kurt Cobain, líder do Nirvana. Gastão então chamou uma sequência de videoclipes e, na volta, confirmou a terrível informação, que imediatamente estarreceu o mundo de modo geral, especialmente o do rock and roll. Dias depois, a perícia cravou o dia 5 de abril (três dias antes da descoberta do cadáver) com o do suicídio do cantor e compositor. Como disse no início, parece que foi ontem, mas já são 30 anos que se foi o responsável pela que era a maior banda do mundo na época e, para muitos, a última banda de rock de verdade.

Em outro texto publicado em setembro 2021, falei aqui no CANAL UNDERGROUND sobre como o álbum ‘Nevermind’ se mantinha como o último disco realmente importante do rock, registro de um momento especial para o gênero (leia em https://canalunderground.wordpress.com/2021/09/24/nevermind-o-ultimo-disco-verdadeiramente-importante-do-rock-and-roll-completa-30-anos/ ). Com o sucesso do disco, o “oba-oba” em cima da banda foi grande, mas o que pouquíssima gente percebeu e a maioria fez pouco caso foi que, se havia alguém que não sabia lidar com toda aquela exposição, esse era o próprio Kurt, figura central da banda. Não era todo mundo que sabia que o vocalista e guitarrista tinha sérios problemas com drogas causados por um ambiente familiar bem confuso, iniciado com a separação dos pais quando ele tinha 9 anos. Pouco depois, começaram as experiências com drogas que foram da maconha e álcool até os solventes. Isso aliado a uma saúde não muito estável e um quadro de tendência à depressão de que só os mais próximos tinham noção.

Como quase sempre ocorre nestes casos, a vida real se torna ainda mais penosa para gente com esse perfil. Ao mesmo tempo, o talento para a música foi despontando sob influências que ia de Beatles ao heavy metal e, principalmente, o punk rock/new wave da década de 1970. Na década seguinte, a banda Pixies (um dia ainda vamos falar sobre eles) foi o estopim que faltava. Kurt botou na cabeça que queria uma banda que soasse como o quarteto de Boston, que havia acabado de lançar o seminal álbum ‘Surfer Rosa’, em 1988. Mesmo assim, a fúria punk não se acalmou e os berros de Kurt logo podiam ser ouvidos em ‘Bleach’, disco de estreia do Nirvana em 1989.

Aí veio ‘Nevermind’, em 1991. O sucesso repentino e estrondoso tirou verdadeiros tubarões do topo das paradas, tocou no rádio de forma inimaginável e fez a MTV, quem diria, virar o veículo oficial do rock alternativo. O Nirvana virou mania mesmo! Todo mundo queria conhecer, todo mundo queria imitar e até versões para elevador foram criadas. Anos depois, até nosso Caetano Veloso veio a regravar “Come As You Are”. No meu disso tudo, Kurt se casou (com Courtney Love, vocalista da banda Hole) e teve sua única filha, Frances, hoje com 31 anos.

Mas como foi tudo isso para ele, pessoalmente? O pressuposto é que o sucesso – esse de ser amado e querido por todos e, com isso, ganhar muita grana – é o que todo mundo quer da vida. Nem sempre. Kurt foi talvez o exemplo mais recentemente trágico desse turbilhão. Quando o Nirvana fez sua antológica turnê brasileira, como atração principal do Hollywood Rock de 1993, este que vos escreve pôde ver pessoalmente o que se tornou um resumo de como ele estava. O show em si parecia um ensaio numa garagem e a impressão é que não havia um setlist, que a banda decidia na hora o que ia tocar – um aparente sinal de desconforto dele (e também de Cris Novoselic e Dave Grohl) diante do que foi talvez o maior público para o qual já tocara até ali: cerca de 60 mil pessoas na Praça da Apoteose. Houve um momento em que Courtney Love foi à beira do palco e pagou uma empombação federal para o marido, com direito a muita gesticulação. A esquizofrenia do espetáculo chegou ao auge quando ele cuspiu na lente de uma das câmeras que filmavam o show. Quem foi, como eu, saiu de lá feliz por ter visto a banda ao vivo, mas também um tanto perplexo com o comportamento de Kurt.

Nos meses seguintes saiu o terceiro álbum ‘In Utero’, com produção de Steve Albini e letras tão pesadas quanto as do disco anterior, além de alguns sinais de que as coisas não tinham melhorado para o cantor. Durante a turnê, já em 1994, tudo só piorou e, em março, Kurt misturou álcool e medicamentos durante um tratamento de bronquite e laringite em Roma. Na volta a Seattle, ele estava um bagaço e se afundou na heroína em que já era viciado. Sua única companhia era um amigo imaginário chamado Boddah, e foi para ele que Kurt deixou sua carta de despedida onde, entre outras coisas, ele repete inúmeras vezes a palavra “empatia”, como se estivesse clamando por ela.

Tudo isso só veio à tona quando o corpo dele foi encontrado baleado com um tiro de espingarda naquele 8 de abril, mas já ocorrido três dias antes. Com isso, Kurt se juntou ao nefasto ‘Clube dos 27’, dos astros falecidos com esta idade. Mais do que isso, se tornou talvez o último grande mito do rock and roll, ainda influente e despertando curiosidade depois de 30 anos.